terça-feira, 3 de maio de 2011

Eu tinha que começar a fazer alguma coisa dos meus dias para que não fossem iguais aos de toda essa gente que quer ser gente mas que não vai além da tentativa. 
Ser gente, imagino, é ser humano e não autômato, ser dinâmico, ser interventivo, ser criativo, ser infantil, ser diferente, ter uma vida que acrescenta e não apenas que se alimenta das outras. Não se é nada disso sendo igual a todos os outros, pensando as mesmas coisas, consumindo a mesma cultura, fazendo os mesmos programas, usando as mesmas palavras e roupas, amando da mesma maneira...
Começo hoje mesmo: vou subverter as rotinas, demolir as ideias feitas, desistir de criar bodes expiatórios para apaziguar as minhas frustrações, alterar a forma como me relaciono com as pessoas, beber cultura de fontes diferentes, usar roupas e vocabulário diferentes, amar sem padrões... 
Comecei por mudar o lado em que dormia na cama: dormí mal;
Procurei pensar na política sem preconceito: ví um debate entre dois potenciais PM's e resolví deixar esse preconceito ativo mais uns tempos;
Mudei o estilo da roupa: não me permitiram entrar naquela sala de espetáculos;
Mudei o tema da conversa: não fui ouvido;
Brinquei com pessoas sérias: fui ostracizado;
Beijei minha namorada de forma diferente: perguntou-me onde tinha aprendido aquilo, quando e com quem.
Para se fazer alguma coisa que mude os meus dias vou ter de mudar de mundo ou criar um novo.


Marco

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Eu tinha que começar a fazer alguma coisa dos meus dias. Sentia que a minha vida não podia ser só isto. Nem devia. Sabem quando temos a sensação de que um dia ainda iremos fazer algo de grandioso na vida? Eu sinto-o vezes sem conta. Quando me perco a ver séries tristes na televisão envolta numa manta grossa, de cigarro numa mão, caneca de chá na outra e um lenço de papel entre os dedos para me enxugar as lágrimas sinto que estou a desperdiçar tempo. Um tempo que podia ser gasto em coisas que me levassem um pouco mais longe. Sinto que a minha vida não é aqui – nem é isto. Sempre quis viver noutro lugar, longe daqui, de todos, dos outros. Mas há alguma coisa que me prende e não me deixa fugir. De onde virá este instinto que me afronta o ser que quer ir mais além? De onde virá esta coisa que me prende e que não me deixa ir mais além? A temperatura sobe, desce, a chuva cai, sai, vem o sol, a noite, as estrelas, o tempo passa – tique-taque; tique-taque – mando a agenda fora, compro uma nova – vermelha como eu gosto – passam as horas – mais uma noite, só mais uma cerveja, um cigarro, uma música, deixem-me estar, não quero falar, não quero prestar-te atenção, deixem-me dançar, sem pensar que me estão a olhar, quero ser livre.


Laura

sexta-feira, 22 de abril de 2011

eu tinha que começar a fazer alguma coisa dos meus dias à medida que eles derretiam, lentos, alheios às minhas próprias expectativas. sempre fui tudo sem ser nada, e os meus dias, e todas as horas neles incutidos, sempre morreram na praia, apodrecendo na areia, os meus dias os meus sonhos fora do prazo de validade e a vontade que, azeda, desmaiava em mim.

sábado, 16 de abril de 2011

Eu tinha que começar a fazer alguma coisa dos meus dias. Foi no curso de escrita criativa que encontrei algo que me manteria acordada toda a noite sem as horas de culpa na manhã seguinte. É a primeira aula e estou tão impaciente que saio mais cedo de casa duas horas e perco-as na baixa Lisboeta, sozinha de um lado para o outro. Compro um bloco bonito e duas canetas Uni-Ball, engulo um café americano e uma tosta mista especial, e finalmente, às nove e meia, posso subir para o terceiro andar daquele prédio antigo no Largo Camões e deixar os problemas cá em baixo. O meu reflexo no espelho do elevador dá-me tudo, confiança, gosto do olhar que lanço a mim própria, esta sou eu, mais uma rapariga solitária e ansiosa para deixar fluir a sua criatividade numa cidade em que há sempre coisas mais importantes a acontecer e o coração aperta no peito. Eu sabia que o tipo de pessoas que vêm a estas aulas são pessoas que gastam aqui as horas que têm livres além do trabalho cansado e da família que é sempre igual, escondem-se aqui neste mundo, a um curso temático de cada vez. São sempre as mesmas pessoas, aborrecidas com as palavras rígidas e formais das secretárias em que se sentam todos os dias das nove às seis, e depois vêm aqui e procuram reencontrar as palavras que já não se lembravam de escrever em composições na escola há muito tempo atrás. Entro e preencho uma folha com o meu nome e todos os outros factos de que eles precisam para saber quem sou eu, pessoa individual, mais uma no meio de tantas outras. A sala tem como som ambiente o meu álbum preferido da minha banda preferida. Não me posso sentir mais em casa. Já estão algumas pessoas presentes, o que eu esperava, idades diversas e estilos de vida também, uns com filhos, outros sem, uns com mais que fazer outros com horas para gastar. Para mim é a tentativa um refúgio da pessoa aborrecida que sou, tão inspirada durante todas os dias da semana com frases e histórias dentro de mim, o meu passar dos dias acompanhada de filmes antigos e romances epistolares, admirar o que os outros fazem para eu ver, deixar-me morrer na preguiça e o medo de enfrentar a folha branca. Preciso de um empurrãozinho, de uma maneira de me desligar do correr frenético que é a vida e os problemas, tudo a palpitar numa nuvem negra por cima da cabeça, que me tira constantemente a vontade de sonhar e completar a minha história com histórias minhas. Preciso de estar entre quatro paredes brancas, procurar na cabeça e no coração os cenários que ainda não vi. Pode ser este o empurrãozinho de que preciso.



(História baseada em factos reais, talvez continue)
- Foto do meu diário visual 
Catarina

quinta-feira, 31 de março de 2011

O sorriso das flores

Escrevi a palavra flor na palma da minha mão. Era a minha tatuagem, para que não me esquecesse de como a Primavera das flores é bela, e de como a vida pode ser bela como a Primavera.
Escrevi a palavra flor nos braços, antebraços e ombros, nas pernas e pés, no ventre, nos seios, no rosto e até nas costas! Toda eu estava tatuada de flores de múltiplaes formas e cores, de vida! O meu corpo era agora um verdadeiro campo florido, que eu não escondia de nada nem de ninguém, ou não estivessemos nós na Primavera!
Ao meu lado esvoaçavam abelhinhas, borboletas e pequenos pássaros que se passeavam de flor em flor. Uma leve brisa, de quando em vez, passava por mim, transportando a perfumada magia que ajudava a transformar as minhas flores em frutos. O meu corpo fazia, mais do que nunca, parte da Natureza! Como a vida é bela!
Via-me no espelho e os meus olhos sorriam. Quem olhasse para mim naqueles momentos poderia não entender porque eu sorria diante do espelho, pois não notavam nada de especialmente diferente em mim... É que as minhas flores estavam escritas a tinta invisível, só reconhecíveis por mim e pelos outros, no meu sorriso.
E desde esse dia em que decidi inscrever a palavra flor no meu eu, passei sempre a sorrir para a vida. Ante as contrariedades sorri, e a vida sorriu para mim, ainda que por vezes de forma quase imperceptível, mas sorriu, e continua a sorrir – basta eu querer continuar a sorrir-lhe também.

E as tuas flores? Também sorris ao olhares para elas?

Vanessa

 

P.S. A inspiração (e o tempo para ela) demorou um pouco, mas chegou... :)

terça-feira, 29 de março de 2011

escrevi a palavra flor

escrevi a palavra flor porque me obrigaste a fazê-lo. "Mas porquê flor?" - perguntei-te. E tu respondeste como se essa fosse a mais verdadeira das coisas - "porque quando conseguires escrever a palavra flor sem nada sentires, saberás que algo na tua vida terá que mudar". Na altura não percebi nada daquilo, mas realmente, nada senti. Flor, flor, flor, flor - lembro-me daquelas 44 rosas que me ofereceste em sinal do teu respeito - e elas a apodreceram dentro do armário antes de as ter enfiado no contentor do lixo enraivecida. Lembro-me dos colares de flores que fazia em pequena - hoje já não me lembro como se fazem porque nunca mais tiveste tempo para me ensinares essas coisas. Lembro-me da flor que deixei debaixo da terra e que agora te consome a alma ainda fresca.
Detesto flores.
E sim, agora percebo porquê. Não me peças para escrever a palavra flor, não me peças para a dizer e, sobretudo, não me ofereças flores. Oferece-me palavras. Oferece-me o olhar perdido nos lamentos que só eu sei apagar dos teus lábios. Oferece-me o cheiro do café forte que fazes todas as manhãs antes de deixares entrar o sol pelo quarto quente das nossas noites. Mas por favor, não me ofereças flores.

Laura

quarta-feira, 23 de março de 2011

escrevi a palavra flor

escrevi a palavra flor como se nela pudesse desabrochar toda a primavera em que tropeço por entre colinas e crianças, esquinas sujas e decadentes no Bairro Alto, o minipreço que nunca tem nada, paredes por lavar almas conspurcadas, santuários em que me construo, como se pudesse mergulhar nela e nas outras palavras, nos conceitos pré-definidos: a felicidade, o sucesso, o amor, a paz a paz cores arco-íris promessas de uma esperança que não conheço só uma apatia parva que me rouba as horas e a vida, me suga a juventude e a velhice me bebe a sede de existir, um tédio terrível, um aborrecimento tão insuportável que transborda de mim, não me apetecem os dias nem me apetece nada, os olhos fixos na linha do horizonte de Lisboa que tanto faz que seja o castelo, as amoreiras, são pedro de alcântara, podia ser gente ou parede branca que tanto fazia como também tanto me faz duas centenas de milhares de pessoas, lutas, ideais e revoluções de valores (só peço que falem mais baixo), tanto me faz porque me entedia quem se debate e quer mais mas sinto pesar por quem não quer.
escrevi a palavra flor como se nela pudesse desabrochar um sentido, propósito propulsor de mim, como se nela fosse encontrar tropeçar abraçar a réstia de beleza que não encontro nem em pétalas nem em pernas nem em palavras, nenhuma palavra, como se ao menos se visse nela dor, ao menos dor, ao menos dor que não é tédio não é aborrecimento não é a indiferença crónica de que padeço, o desespero passivo de não importar uma parede branca ou os seios de uma mulher, de ser igual o sol e a primavera que entra pelas frechas da porta ou as gentes que não fazem sentido que não fazem nenhum sentido (ao menos dor),  gente a correr de um lado para o outro com os seus ministérios e relações,  profissões e cursos e pós-graduações, com os seus prédios estradas aeroportos, tal e qual um jogo de computador, brincadeira de miúdos, comandados não sei porquê não sei por quem a chorar a rir a chamar o meu nome, eu sem entender o sentido numa primavera que, mesmo estando por todo o lado, não existe para mim, eu sem entender sem distinguir num olhar vago uma parede branca da puta da cidade que digo minha, eu sem entender  (só peço que falem mais baixo), sem entender e sem distinguir (antes fosse dor, porra antes fosse dor) numa névoa pálida que não sei se me deixa ver não sei se me cega não sei se compreendo não sei se pertenço não sei nada e nem quero saber, não me importa se sei, tanto me faz se sei, ao menos fosse dor o tédio que me dança nas mãos e nos olhos. 

Regina
ps. continuo sem conseguir comentar. já sou seguidora mas depois perguntam-me com que perfil é que quero comentar e sinceramente não faço ideia do que seja.