terça-feira, 3 de maio de 2011

Eu tinha que começar a fazer alguma coisa dos meus dias para que não fossem iguais aos de toda essa gente que quer ser gente mas que não vai além da tentativa. 
Ser gente, imagino, é ser humano e não autômato, ser dinâmico, ser interventivo, ser criativo, ser infantil, ser diferente, ter uma vida que acrescenta e não apenas que se alimenta das outras. Não se é nada disso sendo igual a todos os outros, pensando as mesmas coisas, consumindo a mesma cultura, fazendo os mesmos programas, usando as mesmas palavras e roupas, amando da mesma maneira...
Começo hoje mesmo: vou subverter as rotinas, demolir as ideias feitas, desistir de criar bodes expiatórios para apaziguar as minhas frustrações, alterar a forma como me relaciono com as pessoas, beber cultura de fontes diferentes, usar roupas e vocabulário diferentes, amar sem padrões... 
Comecei por mudar o lado em que dormia na cama: dormí mal;
Procurei pensar na política sem preconceito: ví um debate entre dois potenciais PM's e resolví deixar esse preconceito ativo mais uns tempos;
Mudei o estilo da roupa: não me permitiram entrar naquela sala de espetáculos;
Mudei o tema da conversa: não fui ouvido;
Brinquei com pessoas sérias: fui ostracizado;
Beijei minha namorada de forma diferente: perguntou-me onde tinha aprendido aquilo, quando e com quem.
Para se fazer alguma coisa que mude os meus dias vou ter de mudar de mundo ou criar um novo.


Marco

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Eu tinha que começar a fazer alguma coisa dos meus dias. Sentia que a minha vida não podia ser só isto. Nem devia. Sabem quando temos a sensação de que um dia ainda iremos fazer algo de grandioso na vida? Eu sinto-o vezes sem conta. Quando me perco a ver séries tristes na televisão envolta numa manta grossa, de cigarro numa mão, caneca de chá na outra e um lenço de papel entre os dedos para me enxugar as lágrimas sinto que estou a desperdiçar tempo. Um tempo que podia ser gasto em coisas que me levassem um pouco mais longe. Sinto que a minha vida não é aqui – nem é isto. Sempre quis viver noutro lugar, longe daqui, de todos, dos outros. Mas há alguma coisa que me prende e não me deixa fugir. De onde virá este instinto que me afronta o ser que quer ir mais além? De onde virá esta coisa que me prende e que não me deixa ir mais além? A temperatura sobe, desce, a chuva cai, sai, vem o sol, a noite, as estrelas, o tempo passa – tique-taque; tique-taque – mando a agenda fora, compro uma nova – vermelha como eu gosto – passam as horas – mais uma noite, só mais uma cerveja, um cigarro, uma música, deixem-me estar, não quero falar, não quero prestar-te atenção, deixem-me dançar, sem pensar que me estão a olhar, quero ser livre.


Laura

sexta-feira, 22 de abril de 2011

eu tinha que começar a fazer alguma coisa dos meus dias à medida que eles derretiam, lentos, alheios às minhas próprias expectativas. sempre fui tudo sem ser nada, e os meus dias, e todas as horas neles incutidos, sempre morreram na praia, apodrecendo na areia, os meus dias os meus sonhos fora do prazo de validade e a vontade que, azeda, desmaiava em mim.

sábado, 16 de abril de 2011

Eu tinha que começar a fazer alguma coisa dos meus dias. Foi no curso de escrita criativa que encontrei algo que me manteria acordada toda a noite sem as horas de culpa na manhã seguinte. É a primeira aula e estou tão impaciente que saio mais cedo de casa duas horas e perco-as na baixa Lisboeta, sozinha de um lado para o outro. Compro um bloco bonito e duas canetas Uni-Ball, engulo um café americano e uma tosta mista especial, e finalmente, às nove e meia, posso subir para o terceiro andar daquele prédio antigo no Largo Camões e deixar os problemas cá em baixo. O meu reflexo no espelho do elevador dá-me tudo, confiança, gosto do olhar que lanço a mim própria, esta sou eu, mais uma rapariga solitária e ansiosa para deixar fluir a sua criatividade numa cidade em que há sempre coisas mais importantes a acontecer e o coração aperta no peito. Eu sabia que o tipo de pessoas que vêm a estas aulas são pessoas que gastam aqui as horas que têm livres além do trabalho cansado e da família que é sempre igual, escondem-se aqui neste mundo, a um curso temático de cada vez. São sempre as mesmas pessoas, aborrecidas com as palavras rígidas e formais das secretárias em que se sentam todos os dias das nove às seis, e depois vêm aqui e procuram reencontrar as palavras que já não se lembravam de escrever em composições na escola há muito tempo atrás. Entro e preencho uma folha com o meu nome e todos os outros factos de que eles precisam para saber quem sou eu, pessoa individual, mais uma no meio de tantas outras. A sala tem como som ambiente o meu álbum preferido da minha banda preferida. Não me posso sentir mais em casa. Já estão algumas pessoas presentes, o que eu esperava, idades diversas e estilos de vida também, uns com filhos, outros sem, uns com mais que fazer outros com horas para gastar. Para mim é a tentativa um refúgio da pessoa aborrecida que sou, tão inspirada durante todas os dias da semana com frases e histórias dentro de mim, o meu passar dos dias acompanhada de filmes antigos e romances epistolares, admirar o que os outros fazem para eu ver, deixar-me morrer na preguiça e o medo de enfrentar a folha branca. Preciso de um empurrãozinho, de uma maneira de me desligar do correr frenético que é a vida e os problemas, tudo a palpitar numa nuvem negra por cima da cabeça, que me tira constantemente a vontade de sonhar e completar a minha história com histórias minhas. Preciso de estar entre quatro paredes brancas, procurar na cabeça e no coração os cenários que ainda não vi. Pode ser este o empurrãozinho de que preciso.



(História baseada em factos reais, talvez continue)
- Foto do meu diário visual 
Catarina

quinta-feira, 31 de março de 2011

O sorriso das flores

Escrevi a palavra flor na palma da minha mão. Era a minha tatuagem, para que não me esquecesse de como a Primavera das flores é bela, e de como a vida pode ser bela como a Primavera.
Escrevi a palavra flor nos braços, antebraços e ombros, nas pernas e pés, no ventre, nos seios, no rosto e até nas costas! Toda eu estava tatuada de flores de múltiplaes formas e cores, de vida! O meu corpo era agora um verdadeiro campo florido, que eu não escondia de nada nem de ninguém, ou não estivessemos nós na Primavera!
Ao meu lado esvoaçavam abelhinhas, borboletas e pequenos pássaros que se passeavam de flor em flor. Uma leve brisa, de quando em vez, passava por mim, transportando a perfumada magia que ajudava a transformar as minhas flores em frutos. O meu corpo fazia, mais do que nunca, parte da Natureza! Como a vida é bela!
Via-me no espelho e os meus olhos sorriam. Quem olhasse para mim naqueles momentos poderia não entender porque eu sorria diante do espelho, pois não notavam nada de especialmente diferente em mim... É que as minhas flores estavam escritas a tinta invisível, só reconhecíveis por mim e pelos outros, no meu sorriso.
E desde esse dia em que decidi inscrever a palavra flor no meu eu, passei sempre a sorrir para a vida. Ante as contrariedades sorri, e a vida sorriu para mim, ainda que por vezes de forma quase imperceptível, mas sorriu, e continua a sorrir – basta eu querer continuar a sorrir-lhe também.

E as tuas flores? Também sorris ao olhares para elas?

Vanessa

 

P.S. A inspiração (e o tempo para ela) demorou um pouco, mas chegou... :)

terça-feira, 29 de março de 2011

escrevi a palavra flor

escrevi a palavra flor porque me obrigaste a fazê-lo. "Mas porquê flor?" - perguntei-te. E tu respondeste como se essa fosse a mais verdadeira das coisas - "porque quando conseguires escrever a palavra flor sem nada sentires, saberás que algo na tua vida terá que mudar". Na altura não percebi nada daquilo, mas realmente, nada senti. Flor, flor, flor, flor - lembro-me daquelas 44 rosas que me ofereceste em sinal do teu respeito - e elas a apodreceram dentro do armário antes de as ter enfiado no contentor do lixo enraivecida. Lembro-me dos colares de flores que fazia em pequena - hoje já não me lembro como se fazem porque nunca mais tiveste tempo para me ensinares essas coisas. Lembro-me da flor que deixei debaixo da terra e que agora te consome a alma ainda fresca.
Detesto flores.
E sim, agora percebo porquê. Não me peças para escrever a palavra flor, não me peças para a dizer e, sobretudo, não me ofereças flores. Oferece-me palavras. Oferece-me o olhar perdido nos lamentos que só eu sei apagar dos teus lábios. Oferece-me o cheiro do café forte que fazes todas as manhãs antes de deixares entrar o sol pelo quarto quente das nossas noites. Mas por favor, não me ofereças flores.

Laura

quarta-feira, 23 de março de 2011

escrevi a palavra flor

escrevi a palavra flor como se nela pudesse desabrochar toda a primavera em que tropeço por entre colinas e crianças, esquinas sujas e decadentes no Bairro Alto, o minipreço que nunca tem nada, paredes por lavar almas conspurcadas, santuários em que me construo, como se pudesse mergulhar nela e nas outras palavras, nos conceitos pré-definidos: a felicidade, o sucesso, o amor, a paz a paz cores arco-íris promessas de uma esperança que não conheço só uma apatia parva que me rouba as horas e a vida, me suga a juventude e a velhice me bebe a sede de existir, um tédio terrível, um aborrecimento tão insuportável que transborda de mim, não me apetecem os dias nem me apetece nada, os olhos fixos na linha do horizonte de Lisboa que tanto faz que seja o castelo, as amoreiras, são pedro de alcântara, podia ser gente ou parede branca que tanto fazia como também tanto me faz duas centenas de milhares de pessoas, lutas, ideais e revoluções de valores (só peço que falem mais baixo), tanto me faz porque me entedia quem se debate e quer mais mas sinto pesar por quem não quer.
escrevi a palavra flor como se nela pudesse desabrochar um sentido, propósito propulsor de mim, como se nela fosse encontrar tropeçar abraçar a réstia de beleza que não encontro nem em pétalas nem em pernas nem em palavras, nenhuma palavra, como se ao menos se visse nela dor, ao menos dor, ao menos dor que não é tédio não é aborrecimento não é a indiferença crónica de que padeço, o desespero passivo de não importar uma parede branca ou os seios de uma mulher, de ser igual o sol e a primavera que entra pelas frechas da porta ou as gentes que não fazem sentido que não fazem nenhum sentido (ao menos dor),  gente a correr de um lado para o outro com os seus ministérios e relações,  profissões e cursos e pós-graduações, com os seus prédios estradas aeroportos, tal e qual um jogo de computador, brincadeira de miúdos, comandados não sei porquê não sei por quem a chorar a rir a chamar o meu nome, eu sem entender o sentido numa primavera que, mesmo estando por todo o lado, não existe para mim, eu sem entender sem distinguir num olhar vago uma parede branca da puta da cidade que digo minha, eu sem entender  (só peço que falem mais baixo), sem entender e sem distinguir (antes fosse dor, porra antes fosse dor) numa névoa pálida que não sei se me deixa ver não sei se me cega não sei se compreendo não sei se pertenço não sei nada e nem quero saber, não me importa se sei, tanto me faz se sei, ao menos fosse dor o tédio que me dança nas mãos e nos olhos. 

Regina
ps. continuo sem conseguir comentar. já sou seguidora mas depois perguntam-me com que perfil é que quero comentar e sinceramente não faço ideia do que seja.

sábado, 19 de março de 2011

Escrevi a palavra flor...

Escrevi a palavra Flor no verso do envelope cor de laranja que deixei debaixo da sua porta. Assim lhe chamava às vezes, Minha Flor, ou apenas Flor. Apesar do mau gosto de chamar isso a alguém, ela gostava, porque só eu lhe chamava isso, e é bom quando as palavras deixam de ser apenas sons e se tornam também memórias de alguém. A Minha Flor partiu, uns dizem que foi ao norte do país ver a mãe de quem sentia saudades e que voltaria em breve, outros dizem que foi para sul estudar outras coisas para ser mais feliz. Não me dão certezas, nem um número de telefone, nem uma morada. Começo a escrever-lhe para não me sentir frustrada. Os corredores dos dormitórios da Universidade são longos e ruidosos, mas eu atravesso-os todos os dias para lhe deixar mais uma carta. Esta carta, entre tantas outras, é particularmente especial, conta histórias que não vivemos mas que podemos muito bem desejar, e só eu sei o quanto desejo ter histórias com ela. Flor um dia vai voltar e um dia vai ler todos os meus desejos de uma só vez. Tenho tantas saudades tuas Flor.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Escreví a palavra flor...

Escreví a palavra flor, com batom, no espelho da casa de banho dela, e saí de mansinho para a rua... O gato tentou escapulir junto mas, expedito, pu-lo de volta com um chuto sem impacto. Ai se o bicho mia...
Sentí nostalgia no momento em que a porta da rua se fechou atrás de mim... Tristeza por ter de enfrentar todas aquelas horas antes de poder vê-la outra vez.
Passei o dia com um confrangedor esgar de felicidade no rosto que fazia lembrar a expressão do vencedor de um prêmio muito cobiçado.
Um amigo observou que eu estava com ar de "homosexual satisfeito". Sou homem até de baixo de outro homem!... Respondí, tentado devolver a graça e desviando a atenção dele para coisas menos importantes.
Eu, para manter o estado da alma, não queria falar sobre a experiência daquela madrugada em que encontrei-a, seduzí-a, amei-a e deixei-a silenciosamente.
Talvez a atitude de gênero, tantas vezes aplicada, me estivesse a confundir: era amor à primeira vista ou apenas satisfação pelo triunfo da conquista?
Uma da tarde, quatro, seis, oito da noite... As horas passavam na velocidade inversa do meu batimento cardíaco...
A ansiedade já estava transformada em euforia infantil quando, às oito e vinte e três, decidí  ignorar os manuais de engate e ser eu o primeiro a ligar.
Falo com ela no gerúndio ou no infinitivo? Conjugo na 2ª pessoa ou vai no “vale-tudo-tropical”? Achará graça do meu sotaque ou lhe dará asco? Fusão, a moda é fusão...
Alô, ixxtô... Sou... O quê?... Batom?, que bat... Ah... Sim, são caros e... Desculp... Por quê flor?... Ora, porque.. Sei lá, deu-me para pieguices madrugadoras e... Ir para onde? Mas eu... só queria... Desligou na minha cara.
Me reconfortei numa filosofia de taberna: “o bom relacionamento é o que não dá certo”...
 
Marco

Escreví a palavra flor...


Escrevi a palavra flôr no meu caderno de apontamentos. Não sei bem porquê. Aquela reunião chata que durava há mais de duas intermináveis horas estava a torturar-me como alfinetes de vodu. As palavras monocórdicas, enfadonhas e formatadas atingiam-me lancinantemente. Porque é que estas reuniões têm sempre uma “janela de oportunidade”, um “mercado para penetrar”, ou “um público para impactar”. Que se lixem os “stakholders” e os “accionistas”. Virei costas a tudo isto. Agarrei num voucher mental e fiz o meu check in dali para fora. A minha low-cost do pensamento levou-me para um campo impossível, onde flores de todas as cores e origens conviviam num arco-iris mágico de odores. Que bem se estava ali. Tudo parecia perfeito, harmonioso. Sou um homem na casa dos quarenta. Confesso que nunca tinha pensado muito em flores. Nem sei porque a palavra me surgiu naquela sala de reuniões escura, onde a luz do retroprojector fazia as vezes do Astro Rei. Agora era o verdadeiro Sol que sentia no meu rosto. Que agradável. Fechei os olhos por momentos e deixei-me acariciar por aquele calor tão reconfortante. Senti-me, também eu, uma flor a fazer a fotossíntese. Abri os olhos. Olhei em volta. Cada flor tinha agora um rosto. Nas rosas descobri a face ternurenta da minha avó, que com carinho cuidava o seu jardim e ornamentava, com aquele doce odor, as diferentes divisões lá de casa. Senti a sua mão no meu cabelo, a acariciar-me daquela forma que só as avós sabem. Desviei o meu olhar ligeiramente. Mesmo ao lado encontrei um bando de margaridas, onde revi a cara da Ana, a minha primeira namorada. Via-a de totós. Uns elásticos, cor-de-rosa, que tentavam domar aquele cabelo negro. Sem sucesso claro está. A Ana era indomável. A rainha do recreio, a campeã das correrias. Ninguém tinha os joelhos esfolados como ela. Como eu gostava da Ana… Não pude deixar de sentir um tremor no meu peito… Uma onda vermelha chamou os meus olhos. Era uma família de papoilas, que ondulavam ao sabor da brisa amena que soprava. A minha mãe estava ali. Recordo os passeios no campo e os ramos de papoilas que colhia para lhe dar. “São para ti Mãe”. Os seus olhos brilhavam, mesmo que na correria da minha colheita desenfreada muitas das papoilas chegassem às suas mãos “semi-despidas” e com graves problemas de “coluna”. Eram, tinha a certeza, os mais belos ramos de flores. Ao lado vi um tapete de Azedas, umas pequenas flores amarelas nas quais descobri os rostos dos meus colegas de escola. Recordei que as nossas aventuras e fantasias de índios e cowboys eram acompanhadas por essas flores selvagens às quais sorvíamos os pés, extraindo um suco adstringente, que, acreditávamos, nos dava super poderes comparáveis aos da poção mágica dos irredutíveis gauleses. Olhei em volta e vi tantas caras conhecidas e queridas naquelas flores. Como era possível eu nunca ter prestado atenção as flores. Vi amigos, familiares, namoradas, colegas, professoras… Um jardim de afectos. Ajeitei-me na cadeira, olhei para os gráficos projectados no ecrã e sorri. Amanhã trago um ramo de flores para o escritório.

João

terça-feira, 15 de março de 2011

a minha falta de enredos

nunca consegui escrever histórias. enrolo as palavras no cabelo e as personagens, de resto como toda a gente, aborrecem-me. acabo afogada no caos do meu quarto, no caos das relações que não tenho e no caos dos que não me batem à porta. o Tejo não me deixa fazer senão pensar e eu não sei se as minhas infundadas e delirantes expectativas são reais ou se se irão com as águas.
é difícil saber por onde começar, quase como se adivinhasse que não me vão preencher as sílabas das vozes, conversas que imagino minhas a saltarem do lado de lá do papel. conversas, formas, corpos de que não sei de cor a pele, se eu nem a mim me encontro se nem eu própria sei quem sou como em que medida é possível saber quem são esses outros que em mim vivem? por isso deixo correr livres loucas as palavras, como nunca correm as minhas mãos, as palavras livres loucas confusas sem pontuações desculpem-me sem pontuações através dos cadernos, folhas soltas em que me escondo, perdidos (eu e as palavras) nas esquinas de uma Lisboa que me devora no seu amor incessante violento controlador, a Lisboa dos doidos do homem que acordado adormece lúcido na Igreja dos Italianos atentando em nós, nos que passam, confuso (acredito eu que confuso) encharcado em recordações interrogações verdades maiores que ele próprio e maiores que nós, os que passam em passeios desprovidos de valor nas horas vagas ou na correria das que antes fossem.
e ainda assim fico sem saber, entre gavetas portas a fechar o telefone que não toca, das mulheres esquivas por que anseio, Annas Karenina da minha vida, e das outras insustentáveis levezas do meu ser: os romances descabidos, dois amantes que não se conhecem à luz pálida da manhã, as palavras enroladas no cabelo, sátiras de mim própria (eu que nem a mim me conheço), as fachadas dos edíficios, cancros do meu Tejo, eu que não me encontro a mim que não encontro as gentes que me enchem de tédio nem debaixo do meu parapeito nem em lado nenhum.

Regina

ps. não consigo comentar. sou um desastre com estas coisas.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Carnaval - Mascarar ou Fantasiar


Há uns dias chamaram-me a atenção para uma nuance interessante entre o termo utilizado para designar a quadra Carnavalesca aquém e além mar. 

Aqui no nosso pequeno jardim Luso, a palavra mascarar é a escolhida. No outro lado do oceano, o nosso povo irmão, os brasileiros, preferem o termo fantasiar. 

Fiquei a pensar nesta nuance que à primeira leitura pode passar despercebida, num caldo de letras. Serão sinónimos? confesso que não me dei ao trabalho de procurar num qualquer dicionário se existe alguma afinidade deste género entre estas palavras. 

Para mim, no entanto, é claro como a água das nascentes que existe um oceano de diferenças entre estas duas designações. Se a que usamos por cá remete para conceitos como falsidade, branqueamento, escamotear, esconder, camuflar... a palavra utilizada pelos nossos açucarados irmãos remete-nos para um mundo de sonho, magia, ilusão, brincadeira... 

Não tendo pretensões a fazer qualquer tipo de análise sociológica, fiquei a pensar que somos ensinados deste pequenos, não a sonhar mas a mascarar a realidade. Interessante... 

Quanto a mim, de hoje em diante prometo que vou fantasiar mais e mascarar menos. Bom Carnaval para todos. Porque se o Natal é quando o homem quiser o Carnaval também deve ser. Viva o Sonho!


João

segunda-feira, 7 de março de 2011

TPC - palavras


Hoje acordei com o coração nas mãos. Bebi um copo de água para me acalmar a sede e a inquietação. Da janela via os suspiros dos outros e invejava-os. Queria-os para mim. Mas a garganta amordaçada pelo tempo não deixava que os suspiros escorressem como escorrem os pingos da chuva amarga no vidro de uma janela. Agarrei nos braços como se fossem pinças e esculpi-me na tua memória branca. Acordei com o coração nas mãos e não sei mais o que fazer com ele. Pensei em guardá-lo num frasco, em conservação, até que alguém se atrevesse a devolver-mo sem que me saltasse pela boca. Pensei em fazer dele a minha luta – é com ele que luto todas as noites – mas estou cansada como quando se dança uma noite inteira e o corpo cai absorto do mundo na cama dura. Pensei em atirá-lo pela janela até que alguém tropeçasse nele e o trouxesse à vida. Já nem sei o que mais pensei. Sei que o cheiro ácido do coração que lutava pela vida entre os meus dedos, me chegava às narinas e eu continuava impávida, alheada, expectante, sem saber o que fazer com ele.

Laura

domingo, 6 de março de 2011

Tpc1



  • Com o coração em agonia
    sentindo as pinças do monstro da vaidade a rasgar-me ventre acima
    até fazer uma janela por onde a alma via agora aquela água 
    que regava o chão branco...

    Não fosse ser daltônica e com pouca acuidade para os volumes e densidades
    saberia que se tratava era de sangue e era vermelho e era espeeeeesso
    daqueles com que se pintam as paixões
    e o chão, ora o chão ali era tudo menos branco...

    E como dizia: com o coração em agonia
    fazendo um retrocesso nas imagens da minha imaginação
    do chão para as gotas, para a abertura visceral, para as pinças, para a consciência da alma
    para o cúmulo da vaidade que me fez matar Heloisa Helena...

    Via, com o coração em agonia
    o estalactite de vidro espetado na goela dela
    a puta
    é, era puta... Ai a puuuta...

    Tão puta que nem lhe pus a mordaça 
    porque queria ouvir-lhe o urros de pavor

    Deu-me para o sadismo
    e no coração  agora 
    nem uma gota de agonia.


    Marco

TPC 1 - História com 7 palavras

Eram elas:
  • pinças
  • vidro
  • janela
  • mordaça
  • branca
  • coração
  • água
E aqui vai:

Mais uma manhã...
Aparentemente, era uma manhã como qualquer outra. Levantei-me e olhei o tempo pela janela, como fazia todos os dias – estava sol. E fui surpreendida pelo rosto espelhado no vidro, e que me olhava com ar sereno – era eu... Era eu, que me olhava pela primeira vez naquela janela. Tinha acabado de mudar de casa e estava a começar uma nova vida...

Gostei de ver aquele reflexo... Era, afinal, aquela paz de que eu estava à procura, sem saber se tinha tomado a opção certa. No fundo, nunca se sabe nestes casos do coração... Mas aquele olhar que o vidro da janela me devolveu, fez-me pensar que sim e sorri.

Segui o ritual da manhã, e dei um jeito nas sobrancelhas com as pinças que agora descansavam menos acompanhadas no copo da escova de dentes. A minha cara estava branca, quase pálida – onde teria andado eu, que parecia não ver sol há meses? Já nem me lembrava da última vez que tinha desfrutado de uma tarde numa esplanada... Mas isso ia mudar – agora, vivia perto da praia.

E com este sentimento confiante no novo dia, meti-me debaixo da água do chuveiro, retirei a mordaça que me prendia há muito e cantei a plenos pulmões...

Vanessa